Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Faculdade de Medicina discute bioética no serviço social
Marcos Leite · quarta, 2 de novembro de 2022 · @@y8Xxv Discussão inseriu-se no âmbito do Ciclo de Conferências do NEBUBI. |
Evento decorreu na noite da última quinta-feira, 27 de outubro |
22020 visitas O Ciclo de Conferências do NEBUBI – Núcleo de Estudos em Bioética da Universidade da Beira Interior promoveu, na noite da última quinta-feira, 27 de outubro, uma sessão virtual com o tema “Questões éticas nos cuidados ligados à Assistência Social”. O seminário foi apresentado pela Assistente Social catalã Claudia Ille Martinez, Mestre em Bioética e que trabalha no serviço de saúde do Hospital da cidade de Baix Empordà, no norte da Catalunha, nordeste de Espanha. Além da ética, neste seminário outras questões prementes mereceram destaque. Neste viés, predominou a abordagem deontológica mais sob o aspecto das políticas sociais do que propriamente da atividade dos profissionais do serviço social. Este enfoque acabou por provocar o debate em dois níveis. O primeiro, no que diz respeito ao atendimento das políticas públicas e, o segundo, no que diz respeito às questões familiares. Na relação de assistência, a conferência destacou que a situação hipossuficiente dos pacientes, presente especialmente nos mais velhos, provoca obstáculos de natureza ética. Questões importantes, como respeitar a vontade dos pacientes, a correta avaliação da necessidade de internamento e a prescrição de determinada terapia mais intensiva, foram consideradas como causas relevantes nas situações de conflito ético. Claudia Martinez destacou que a abordagem do profissional de saúde e da assistência social deve revestir-se de “muita cautela”, devido ao fato de que “há uma infinidade de emoções que envolvem este delicado momento da vida e são indissociáveis do ser humano”. Isto posto, não perceber essas manifestações no paciente pode ser uma forma de ferir a ética. Nem sempre o paciente se encontra em seu juízo perfeito, o que dificulta ainda mais os tratamentos. Este fato, conjugado com as dificuldades de acesso às especialidades médicas, pode ocasionar na equipa um sentimento de pressão quando determinado paciente necessita acessar os serviços mais indicados pela medicina. No que diz respeito às questões éticas no ambiente que antecede à atuação da assistência social, Claudia destacou a importância da família na administração desse cenário. Segundo a especialista, nas gerações passadas as famílias costumavam ter foco na própria família. As relações patriarcais de épocas passadas costumavam resultar em famílias numerosas. Em um mesmo grupo de irmãos ou primos, era comum encontrar algum que tivesse habilidades para com o trato dos enfermos e mais velhos. Com mais pessoas convivendo no mesmo ambiente, alterações de comportamento e de saúde eram percebidas pelos familiares, abreviando certos diagnósticos. Ainda que a medicina não fosse tão adiantada naquele tempo, qualquer intervenção precoce sempre favorece o tratamento de enfermidades. Neste mesmo diapasão, era comum às famílias terem filhos dedicados à vida religiosa, o que de certa forma proporcionava um ambiente espiritual mais acolhedor para os momentos de dificuldade, disse. O equilíbrio emocional é considerado um importante fator de sucesso e contribui substancialmente para recuperação dos enfermos, conforme aponta a cientista Kelly A. Turner, em seu livro Remissão Radical. Segundo a médica, que pesquisou fatores remissivos em doentes terminais, existem nove fatores de sucesso na remissão de doenças como o cancro e a espiritualidade é um deles. Seguindo esta tendência, com o passar dos anos e a chegada da pós-modernidade, as famílias não só reduziram drasticamente o número de filhos, como também surgiram novas formas de estrutura familiar. A aparente finitude da sociedade patriarcal provocou mudanças sociológicas, ocasionando consequentes reflexos na cadeia de cuidados da assistência social. Novas demandas, até então desconhecidas, causaram – e ainda causam - defasagem interna e externa nas políticas públicas, até que novas medidas possam ser implementadas e que as mesmas surtam efeitos no serviço social e de saúde. Em suma, se pudesse resumir todo o trabalho em uma pequena sentença, Claudia diria que o enfoque do serviço social mudou. A abordagem, até então focada no “atendimento ao próximo” precisa mudar, de um “próximo” de maneira generalizada, coletiva, para o atendimento ao próximo concreto, individual, respeitando a essência de cada ser humano em sua complexidade, seguindo os preceitos da cientista Carol Gilligan, em La ética del cuidado. Infelizmente, antes das questões de natureza ética, existem também barreiras técnicas de grande magnitude, que ampliam as condições causadoras de conflitos dessa natureza. Com base em sua experiência profissional, a assistente social destacou que, especialmente quanto aos cuidados dispensados aos mais velhos, existe uma barreira inicial, que decorre justamente da carência de disponibilidade de especialidades médicas. Por consequência, ao postergar o enfrentamento de determinadas enfermidades no tempo ideal, muitas delas tornam-se crónicas, comprometendo a saúde e recuperação dos pacientes. Esse defasamento entre o diagnóstico e o tratamento tende a afetar ainda mais a saúde dos idosos, cuja recuperação costuma também ser mais demorada. Outro fator agrava a situação de idosos enfermos: o manejo familiar. À medida que o tempo vai passando, a situação de saúde dos idosos tende a piorar e há um ponto muito dramático que envolve os cuidados familiares: cuidar do idoso ou manter seus empregos? Se abandonarem o trabalho, a falta de renda pode comprometer todo o funcionamento da pequena família, que por sua vez dependerá da assistência social logo adiante. Pensões insufientes, nem sempre atendem ao próprio idoso no tocante às suas necessidades com medicamentos e cuidados especiais. Todos estes fatores revelam a falta de políticas públicas e, o que antes era apenas um problema social, logo adiante se torna em dois, três ou mais. A assistente social destacou também que o sistema de saúde não está preparado para as demandas da terceira idade pois sua estrutura pública é voltada basicamente ao atendimento primário. Tal situação acaba por retardar o acesso dos mais velhos às especialidades médicas. Essa falha, quando aliada à recuperação lenta e à ineficiente cadeia de cuidados preventivos, projeta a saúde dos enfermos para quadros de difícil resolução, sobrecarregando os serviços de terapia intensiva. Em outras palavras, o sistema acaba por atuar de maneira reversa, retroalimentando-se das mesmas causas. Cláudia Martinez conclui que a imprevisibilidade da vida, aliada ao estilo de vida proposto pela modernidade requer das autoridades cautela e estudo. Muito além da ética, o seminário apontou que existem questões primordiais que precisam ser estudadas, bem como novas políticas públicas precisam ser planejadas e implementadas. |
Artigos relacionados:
GeoURBI:
|