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Fight Club




David Fincher
1999 - EUA


É certo que "Fight Club" não pde deixar de provocar uma certa desilusão. Sobretudo, e esse foi o maior pecado apontado por alguns espectadores, porque a parte final do filme encaminha-o para um desenlace suavizante, quase medroso, como se realizador, produtores e argumentista receassem as consequências de um discurso sobre a violência que a exibisse sem a interpretar e a sublimar.
Também não é dificícil concordar que o filme possui demasiada informação para o formato típico de Hollywood (não que isso seja um defeito, pelo contrário, há cineastas que não se inibem em alongar a duração do filme, sem com isso afugentar espectadores, como acontece, por exemplo, com Scorcese ou James Cameron).
Ou seja: "Fight Club" não é um filme sem mácula, e este texto não pretende justificar eventuais fraquezas. Pretende apenas, partindo dele, pôr a nu aquilo que parecem ser dois problemas da crítica cinematográfica em geral, e da portuguesa em particular: em primeiro lugar, a tendência para moralizar o juízo crítico; em segundo lugar, a incapacidade de, muitas vezes, ligar os objectos cinematográficos com as marcas do seu tempo. Não podendo expor todos os argumentos em tão curto espaço, aqui ficam algumas ideias sobre estes dois pontos.
Há naturalmente um espaço para a avaliação moral de uma obra de arte, e a crítica, enquanto manifesto livre da opinião, assente apenas e necessariamente sobre a argumentação e a retórica, tem todo o direito a emitir juízos de valor. Aquilo que se apresenta como pouco aceitável é que, por vezes, esse seja o critério primordial e condutor. Vem isto a propósito das acusações de fascismo com que alguns críticos e analistas se referiram ao filme de David Fincher. Ora, "Fight Club" não é um filme inocente, decerto nunca o pretendeu ser e dificilmente o conseguiria ser. O que acontece é que, por não ser um filme de mensagem explícita, suscita obrigatoriamente diversos níveis e esforços de leitura, e qualquer catalogação ou qualquer etiqueta não só se tornam perigosas como insuficientes e até abusivas. Aliás, estranho é que um filme que tão frontal e tão visceralmente questiona o espaço social, as condições de cidadania e o ideário da nossa época tenha provocado tão pouca controvérsia.
Ora, isso não é mais que um sintoma precisamente do segundo ponto em análise neste texto: cada vez menos aqueles que falam e escrevem sobre cinema parecem privilegiar os processos de convergência, divergência e reconversão com que os filmes se relacionam com a sua época. Se escrevem sobre um filme mais antigo, o argumento do contexto histórico parece muitas vezes justificar os mais "enigmáticos" (para não dizer caprichosos) elogios. Mas, mais frequentemente que o necessário, são incapazes de pensar os filmes mais recentes no espaço político e estético da nossa era; o que se torna tão mais grave quanto o nosso é o tempo de todas as questões e convulsões. Assim, quando um filme como "Matrix", que coloca em cena factos e especulações ontológicas, tecnológicas e sociológicas em que tanto o nosso presente como os futuros possíveis estão implicados, é tão pouco discutido pela generalidade da crítica portuguesa e dos opinion-makers, algo de estranho se passa.
Crise da crítica, academismo, simplismo, moralismo? Não, o panorama não é assim tão negro. Pelo contrário, continua a valer a pena ler alguns críticos portugueses. Se calhar, necessitar-se-ia uma ampliação de perspectivas e uma renovação de olhares. Talvez desse modo filmes como "Matrix" ou "Fight Club" tivessem sido identificados e avaliados com mais adequação e pertinência.
Então, no fim de tudo isto, porque vale a pena ver "Fight Club"? Para além de ser um filme obrigatório para todos aqueles que gostam de se confrontar com o imaginário, as certezas e as idolatrias da sua era, é a prova acabada de que Fincher é um visionário na linha dos grandes mestres da arte cinematográfica mundial: expressionistas, obscuras e densas, as suas imagens dão ao seu estilo qualidades pictóricas absolutamente singulares. "Fight Club", no seguimento de "Seven" ou "The Game", não faz mais que o confirmar.

Luís Nogueira


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