Século XV. Final da Idade
Média. Um mundo obscuro, povoado de bruxas e demónios,
condicionado pelo medo. Obcecada pela ideia do Juízo Final,
a Igreja, corrupta e imoral, espalha o terror do Inferno. Um
pintor holandês representa magistralmente este pesadelo,
imaginando um estado em que as leis da natureza se desintegram
num caos. Um caos povoado de monstros inimagináveis, estranhas
combinações da anatomia humana com animais ou objectos,
marcado pela tortura, pelo desespero dos corpos despedaçados
ou consumidos pelo fogo...
Século XX. Museu do Prado. A ala representativa da pintura
medieval apresenta-nos a frieza com que os pintores da época
retratavam o mundo da experiência quotidiana. Subitamente
deparamo-nos com os quadros de Hyeronimus Bosch, que a esses
cenários frios e estáticos contrapõe um
universo de sonhos e pesadelos, povoado de paisagens e temas
demoníacos que tanto têm fascinado os observadores
através dos tempos.
Apesar de muitos dos seus quadros abordarem temas tradicionais,
nomeadamente cenas da vida de Cristo e dos santos, aos quais
empresta no entanto uma expressividade mais intensa, Bosch ficou
na história pelo que trouxe de novo. Os seus quadros reflectem
uma Idade Média filtrada por um humor perspicaz, que expõe
despudoradamente os vícios da sociedade que o rodeia.
Charlatães, curandeiros e suas vítimas ignorantes,
frades e freiras imorais , homens ricos que hipotecam a alma
para manter a fortuna... eis as personagens das histórias
de Bosch, cujo significado, longe de ser inconsciente, parece
exacto e premeditado, procurando transmitir verdades morais muito
concretas.
Mas Bosch não é só o moralista medieval.
É sobretudo um artista que interpreta o Criador e que,
como diria Dürer mais tarde, inventa sozinho novas formas
nunca antes vistas ou imaginadas.
Morreu em 1516. Além desta data pouco mais se sabe da
sua vida, passada em 'sHertogenbosch, de onde retirou o pseudónimo.
Ficou a sua obra, iluminando um pouco essa Idade Média
que o tempo votou ao esquecimento.
Catarina Moura
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