Cravos e solidariedade
POR RAQUEL FRAGATA
ste ano as gentes da Covilhã, impedidas pela chuva, não
saíram à rua como habitualmente para se juntar
às comemorações da Revolução
dos Cravos. A autarquia ainda preveniu o mau tempo e anunciou
a mudança das actuações dos ranchos dentro
de portas, no pavilhão do Unidos do Tortosendo. O povo
é que não acudiu.
As comemorações dos 26 anos da Revolução
dos Cravos ficaram marcadas pelo início da construção
da Escola Primária que entra em funcionamento no próximo
ano, no Bairro da Biquinha, uma obra que as gentes do concelho
aguardam há mais de 25 anos. O dia não trouxe grande
sol e o mau tempo condicionou os espectáculos ao ar livre
agendados para a passada 3ª feira, 25 de Abril, que foram
transferidos para o Unidos do Tortosendo.
As festividades começaram com a sessão solene no
Salão Nobre da Câmara Municipal, onde estiveram
presentes os mais altos representantes políticos e sociais
da cidade. Os discursos começaram com as intervenções
dos representantes dos partidos políticos: PP, PCP, PS
e PSD. Foram apresentados dois livros, assinados três protocolos
e cedidos dois terrenos.
PCP acusa executivo de despotismo
Armando Morais, do Partido Comunista
(PCP), criticou a intenção do Governo de alterar
a lei eleitoral dos órgãos do Poder Local. "O
Poder Local é a instituição mais bem sucedida
desde o 25 de Abril, então porquê alterá-la?".
"À medida que nos afastamos temporalmente do 25 de
Abril, a atracção pelo poder absoluto vem fazendo
adeptos, como é exemplo esta atitude do Governo".
E teceu críticas a algumas decisões camarárias,
classificando-as de despóticas. "No exercício
do poder autárquico da maioria do PSD na Câmara
da Covilhã podemos ver também estes traços
do Governo PS. O projecto da nova lei eleitoral, visando o fim
da existência de cargos plurais tem a sua melhor semelhança
na nomeação da Comissão Administrativa da
Junta de Freguesia do Paul, cuja composição, de
partido único - PSD, faz lembrar situações
anteriores ao 25 de Abril", acusou o representante do PCP.
Criticou também as despesas da Câmara, no valor
de 100 mil contos anuais, em estagiários contratados,
avençados, e tarefeiros admitidos sem concursos públicos.
"A decisão sobre as obras no pelourinho, baseada
na maioria absoluta do PSD, sem ouvir os covilhanenses, nem mesmo
a Assembleia Municipal, é abusiva. Tendo em conta a data
que estamos a comemorar, é necessário chamar a
atenção para formas mais democráticas do
exercício do poder", afirmou.
"Decisão política
tem um rosto"
Carlos Pinto respondeu às
críticas de Armando Morais do PCP argumentando que "na
Covilhã a decisão política tem um rosto
com responsabilidades", referindo-se às sessões
nobres da Câmara em que estiveram em discussão as
obras no Pelourinho, qualificando a intervenção
de Armando Morais como "simplória".
"O 25 de Abril é mostrar que a democracia é
essencialmente a marca criadora do aumento do bem estar e da
qualidade de vida de todos", referiu o presidente da edilidade.
E em relação ao panorama actual da sociedade portuguesa,
Pinto defendeu que "vivemos um primado da tecnocracia sem
rosto. O economicismo vence em detrimento do social." "O
primado do político sobre o económico que está
estabelecido na nossa Constituição da República
parece estar esquecido", lamentou no discurso que encerrava
a sessão da manhã.
Poder Local, ganho da revolução
No discurso do representante
do Partido Social Democrata, Bernardino Gata relembrou o orgulho
das populações numa das grandes conquistas do 25
de Abril, o Poder Local. E por isso criticou o processo de regionalização
proposto pelo Governo rotulando-o de "inócuo, despesista
e perigoso". Congratulou a actividade no poder desde há
dois anos do executivo do seu partido "que veio suceder
à inércia absoluta da anterior governação".
E lembrou algumas concretizações da autarquia com
o presidente Carlos Pinto. "O Cartão do Idoso, a
Habitação Social, o diálogo com as freguesias
na gestão dos recursos financeiros - isto é fazer
Abril, isto é fazer solidariedade. Este executivo faz
o que Abril abriu", defendeu Bernardino Gata. "O 25
de Abril é sobretudo uma data de reconciliação
nacional, com um tónico importante nos três D's
da revolução : Descolonizar, Democratizar e Desenvolver".
José Martins do Partido Socialista relembrou a importância
da educação das camadas mais jovens para uma vida
pública consciente e cívica. "Hoje passados
26 anos é necessário lembrar à nossa juventude
a história desta reconquista da liberdade". "Para
que os nossos netos um dia não digam que de tanta roupa
lavar, os nossos avós se esqueceram do importante que
a satisfação pessoal passe por ambiente limpo onde
o homem passa a ser fruto de autêntica liberdade",
sublinhou o socialista.
Isilda Barata, representante do Partido Popular (PP), defendeu
no seu discurso que "não basta implantar um regime
sobre os escombros de um regime apodrecido. Uma democracia que
adormece, acorda ditadura".
"Urge dar corpo e alma ao verdadeiro espírito e anseios
desta data. E assumir esse espírito é dar maior
protecção aos desfavorecidos e é o dar mais
e melhores condições de vida ao nosso povo",
afirmou o presidente da Assembleia Municipal da Covilhã,
Carlos Abreu.
Comemorações
protocolares
Ao fim da manhã, Carlos
Pinto entregou dois veículos adaptados a dois deficientes
motores do concelho. "Mais uma vez as autarquias substituem
o Governo". O presidente afirmou que todos os casos de deficientes
do concelho a necessitar de apoio estão identificados
e a ser estudadas soluções.
Durante a sessão solene procedeu-se à assinatura
do protocolo entre a Câmara Municipal e os Serviços
Sociais e Culturais dos Trabalhadores do Município da
Covilhã para a cedência de dois lotes de terreno
para construção urbana, com vista à construção
de habitação social para funcionários, em
terrenos camarários no Pinhal do Gaiteiro, Bairro da Biquinha,
freguesia da Conceição.
Foi também lançado o livro duplo do professor José
Reis Barata intitulado "Cila e Caribdis - Rosto de Sentir",
uma compilação de poemas, e "Contracurva".
Reis Barata é uma das caras da luta pela liberdade, antes
e depois do 25 de Abril, na cidade da Covilhã. Esteve
ligado ao ensino, à política e ao jornalismo, sempre
pelo apelo a uma cidadania participativa. "Contracurva"
é uma recolha de textos de opinião publicados pelo
autor quando redactor no semanário Notícias da
Covilhã: "Um recurso importante para a história
das últimas décadas do concelho". |