Délio Carqueijo
Confissões de
um ex-aluno
POR PEDRO MACHADO
As dificuldades para a obtenção
do primeiro emprego são do conhecimento de todos, aliás
esse é um dos temas que consta na agenda de qualquer jornal.
A percentagem de licenciados desempregados aumenta assustadoramente
à medida que cresce o universo estudantil. O futuro merece
por isso alguma preocupação por parte daqueles
que frequentam as nossas universidades.
Mas também há o reverso da medalha. Aqueles que
rapidamente são bem sucedidos nas suas aspirações.
E foi precisamente com um caso desses que falamos.
Délio Manuel Ferreira Carqueijo, 25 anos, ex-aluno do
curso de Sociologia da UBI ultrapassou os obstáculos que
se lhe colocaram. Hoje é docente no Instituto Piaget,
está a concluir o mestrado, também em Sociologia,
na UBI, e fomos encontrá-lo na qualidade de orador no
IV Congresso Português de Sociologia.
Urbi et Orbi: Porquê,
e quando decidiu ir estudar para a UBI?
Délio Carqueijo: O
ir para a UBI foi uma mera casualidade, foi a minha segunda opção.
A primeira era jornalismo, na Universidade do Minho, mas com
a média de entrada que tinha, a segunda opção
prevaleceu.
UO: Nunca pensou pedir transferência?
DC: Não, porque sociologia na UBI foi uma segunda
opção ponderada.
UO: Qual foi a sua reacção quando soube que
entrou na UBI?
DC: Foi de alegria, pois a licenciatura era um dos meus objectivos
e, ao mesmo tempo, de uma certa apreensão. Era uma cidade,
que para mim era desconhecida, e uma universidade de que nunca
tinha ouvido falar. Portanto, era entrar num mundo completamente
desconhecido.
UO: E hoje, passados sete anos, acha que a universidade e
a cidade estão mais divulgadas?
DC: A própria evolução inerente ao aspecto
universitário levou a isso mesmo. Em condições
estruturais e físicas a universidade aumentou, dividiu-se
em vários pólos, e esses pólos serviram
de desenvolvimento à própria cidade. Depois com
uma grande massa estudantil, vinda de vários pontos do
País a povoar a o espaço físico da UBI,
e da cidade, deu-se um natural processo de divulgação,
que continua em crescimento.
UO: Qual foi a maior dificuldade que encontrou aquando da
sua chegada à UBI?
DC: A maior dificuldade foi encontrar alojamento.
UO: Porquê?
DC: Porque normalmente uma pessoa quando vai para uma universidade
procura um alojamento com condições, e a um preço
acessível, coisa que, na altura em que eu entrei, não
existia.
UO: E hoje, tem noção se a situação
melhorou, ou se continuam as dificuldades?
DC: Neste momento penso que as condições melhoraram
substancialmente, com a progressão da construção
civil na cidade, não tanto em relação aos
preços, mas sim ao nível da qualidade.
UO: Gostava de um dia dar
aulas na UBI?
DC: Já passou
pelos meus horizontes, e é lógico que qualquer
professor gostaria de dar aulas no ensino superior público.
UO: O que é que na sua opinião a UBI tem de
bom, e o que é que tem de menos bom em relação
a outras universidades?
DC: Essa é uma pergunta de difícil resposta.
A própria estruturação da universidade em
termos de departamentos condiciona a nossa visibilidade em determinados
aspectos. Mas penso que de uma forma global todos eles funcionam
bastante bem, e há bastante ligação ao exterior,
o que numa universidade que se quer de interior é fundamental,
e isso acontece efectivamente com a UBI. Penso que ganha em relação
a outras universidades nessa ligação universidade,
comunidade envolvente.
A funcionar menos bem do que noutras universidades destacaria
os Serviços Académicos. São demasiado retrógrados
para uma instituição de Ensino Superior.
UO: Qual foi a opinião com que ficou da cidade da Covilhã?
DC: É uma cidade de altos e baixos (risos). É
uma pequena média cidade em vias de desenvolvimento, que
com a entrada do novo curso de medicina, irá melhorar
significativamente ao nível da qualidade de vida.
No aspecto humano, é uma cidade que logo me fascinou em
termos de relação. Acho que as pessoas da Beira
Interior são pessoas muito receptivas e bastante dialogantes.
O que, posso dizer, também contribuiu para a minha formação.
UO: A decisão da localização da faculdade
de medicina na Covilhã foi uma boa opção?
DC: Sob o meu ponto de vista penso que sim. A fixação
de lugares de trabalho no interior é muito importante
numa altura em que aumentam as preocupações em
relação à desertificação do
interior. Penso que a faculdade de medicina é um grande
contributo para a cidade, e para a fixação desses
quadros que tão necessários são à
zona interior de Portugal.
"Vi colegas meus serem obrigados
a pisar,
de pés descalços, ouriços das castanhas"
UO: As praxes na UBI são
tradicionalmente duras. Partilha desta opinião?
DC: Posso dizer que até
ao ano de 1993 as praxes eram efectivamente duras. Vi inclusivamente
colegas meus serem obrigados a pisar de pés descalços
ouriços das castanhas, o que é animalesco.
UO: Qual a situação que mais o marcou quando
foi praxado?
DC: (Pausa) Bem eu fui praxado por um mito da universidade
chamado Álvaro Lino. Uma vez, por exemplo, obrigou-me
a transportar a mobília de uma casa para outra, e assim
servir de escravo para fazer a mudança. Naquele momento
uma pessoa olha para a situação com repulsa, mas
agora até se tem uma certa saudade!
UO: Alguma vez lhe aconteceu entrar na UBI, já licenciado,
e encontrar alguém que o tenha praxado ainda na condição
de estudante?
DC: (risos) Já! E já me aconteceu pior. Houve
pessoas que me praxaram, e que posteriormente pediram transferência
para o Piaget, onde eu dou aulas, e das quais eu fui professor.
UO: Não houve o sentimento de vingança?
DC: Não! (risos) Na altura, como já disse,
as praxes são mal encaradas, mas depois transformam-se
em momentos inesquecíveis, e que recordamos com saudade.
UO: Que conselho é que dá aos alunos que entram,
aos que estão, e aos que saem da UBI?
DC: Aos que entram, gostaria de lhes chamar a atenção
que a vida académica não se restringe ao espaço
da sala de aula. É mais do que isso, é o convívio,
é a entrada em actividades extracurriculares, é
uma vida em constante aprendizagem.
Aos que estão, que tentem lutar por determinados valores
(e não estou a falar de médias) para que assim
possam acreditar mais a UBI. E não se metam nos copos
(risos).
Para aqueles que vão a sair que acreditem no futuro porque
só acreditando é que se consegue vencer. |