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Embora não esteja reconhecido, o pendor católico da procissão é cada vez mais marcado


Procissão dos Penitentes no Paul
Misticismo atrai curiosos

POR ARLETE CASTELA

Anualmente, realiza-se no Paul a Procissão dos Penitentes, numa das sextas feiras da Quaresma. As gentes do Paul não querem deixar a tradição morrer. Este ano aconteceu a 14 de Abril, na última sexta feira, e manteve o ritual tradicional, assumindo especial relevo entre as manifestações desta época.

Para uns de pendor católico, para outros de pendor pagão, a Procissão dos Penitentes do Paul é "de arrepiar a espinha". À meia noite, as badaladas do sino da Igreja Matriz marcaram o início da cerimónia. As luzes da vila apagaram-se e foram muitas as pessoas movidas pela curiosidade que ali se deslocaram e que, no silêncio da noite, fascinadas mas medrosas, assistiram a tão impressionante e aterrador acontecimento.
Segundo testemunhos recolhidos horas antes, as opiniões divergem quanto à origem da Procissão, mas uma coisa é certa, as gentes do Paul não querem acabar com a tradição e já entregaram às mãos dos mais novos, os Escuteiros da vila, a realização do evento.
Para as pessoas de mais idade, esta manifestação representa a flagelação, transmitindo o sofrimento de Cristo, acreditando-se assim que esteja ligada à tradição religiosa.
Porém entre os mais jovens há quem creia que tem as suas origens na Idade Média, e representa uma prece dirigida a Deus nos tempos da Peste Negra. Consta que muitos leprosos habitavam aquela zona e que seriam impedidos de se deslocarem aos povoados. Assim, só desciam à vila, quando a população já descansava. Daí que os penitentes tragam o rosto e o corpo envoltos em panos brancos e que avisem a sua chegada através da "relha" que um dos leprosos arrasta nas pedras da calçada.
Para o padre da freguesia, esta procissão "tem um sentido de fé, de dor, e um aspecto de clandestinidade". Embora reconheça a origem pagã desta manifestação popular, o pároco afirma que "a Igreja, no aspecto litúrgico, nunca a aprovou, mas também nunca a condenou. O motivo é religioso, mas não tem uma orientação moral. Nós apelamos aos valores religiosos, mas o povo gosta de certas manifestações de teatralidade, exotismo e espectáculo". Uma procissão "encostada à Igreja", organizada a partir do salão paroquial, que embora esteja nas imediações daquela, é um espaço aberto a toda a comunidade, com ou sem vínculos católicos.

Pecados figurados

Os participantes são todos homens da vila, e em número ímpar, contando-se este ano 17 penitentes. Vão descalços, excepto o que leva a relha do arado atada à perna direita, e com uma coroa na cabeça, de silvas entrelaçadas, confeccionada no próprio dia.
O percurso seguiu, como é hábito, a partir do adro da Igreja, pela Rua de Cima, passando à Capela do Espírito Santo, à Rua da Lameira e por fim ao Largo da Praça, regressando ao Adro da Igreja.
Curiosamente, a formação mantém uma disposição enigmática, este ano algo diferente dos anteriores. À frente vão três penitentes: o do centro transporta um crucifixo e os laterais transportam candeias de azeite, única iluminação permitida na vila.
Seguidamente, vêem-se outros três. A figura central carrega uma grande cruz com um lençol envolto, ladeado pelos que transportam escadas de madeira. No trio seguinte, o do centro leva um prato de cravos (pregos) que vai chocalhando, ladeado por dois e seguido por mais seis penitentes, que transportam cada um uma cana simbolizando as lanças dos soldados. O próximo penitente, só, leva um martelo, para pregar os cravos, seguido de um outro, também só, que traz na mão direita o látego (uma espécie de chicote) e uma pele de ovelha no ombro esquerdo sobre o qual se açoita, três vezes em cada "Estação" (ponto de paragem com significado religioso). Depois vem um outro que, puxando uma relha atada à perna, representa o pecador que arrasta consigo os seus pecados.
São sobretudo o rastejar do ferro nas pedras da calçada e as pancadas secas dos açoites que mais marcam esta passagem fantasmagórica.
E nesta "contínua mancha alvadia" aparece o chamado " o que apanha os passos", seguido daquele que maneja uma vassoura de giestas, com a qual "varre" os pecados das costas do seu antecessor, significando a purificação.
Fazem ainda parte desta misteriosa manifestação, um grupo de homens da terra que cantam os martírios, com voz rouca e abafada, quando fazem as paragens nas Estações. O modo como o proferem arrepia os trémulos espectadores, que movidos por estímulos de curiosidade e aventura escutam: "Oh meu bom Jesus! Pelos tormentos que passasteis na cruz, tende misericórdia das almas!". E ao que os penitentes respondem em coro, com um grito forte e cortante: "E de nós!".
É de registar que dois ou três homens, os guardiões, vêm à frente dirigir a Procissão e manter o respeito entre a assistência. São factores importantes a escuridão da noite e também o silêncio e o respeito pelos figurantes, numa mistura de fé e arrebatamento, por um lado, e , por outro, de transcendência e misticismo.






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