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Paulo Serra


O poder das imagens

O texto que se segue não é um texto especificamente "político", mas um texto sobre imagens. Que um texto sobre imagens não possa, hoje em dia, deixar de ser considerado político, resulta apenas do facto de a imagem do poder se ter vindo a reduzir, cada vez mais, ao poder da imagem.

Diz Marx algures que aquilo que acontece na história universal sob a forma de tragédia se repete ainda e sempre uma vez sob a forma de farsa. Vem isto a propósito de três imagens televisivas de marca.
A primeira dessas imagens é a de um cidadão português, em atitude de resistência passiva, a ser violentamente preso (e agredido) na ponte 25 de Abril pela polícia de choque do regime democrático. Esta imagem realista não só marcou definitivamente o princípio do fim do último governo de Cavaco Silva e da sua carreira política como inspirou o slogan que daria ao engenheiro Guterres e ao PS a sua primeira vitória eleitoral: o diálogo, a necessidade de fazer política em diálogo.
A segunda dessas imagens é a de um candidato a primeiro-ministro de Portugal engasgado com os números do PIB e uma simples conta de multiplicar. Esta imagem, aparentemente (e inicialmente) ambígua - "errar é humano", e tão humano como a capacidade de dialogar, pelo que ambas as características se reforçam - veio a tornar-se uma imagem de alta definição: a imagem de um político que fala de tudo, que fala bem, mas que falha no elementar, no pormenor, na praticazinha, como diria o Eça. Ao longo destes anos, os exemplos têm-se multiplicado. Para referirmos apenas alguns dos mais recentes: a defesa inabalável da Internet quando se ouviu falar vagamente do e-mail; o advogar da "sociedade da informação" e "do conhecimento" num País em que o sistema educativo se esboroa por todos os lados e manifesta uma incapacidade cada vez maior não só para o conhecimento como para a mera informação; o aumento imponderado e intempestivo dos combustíveis; o falhanço clamoroso no diálogo com as organizações sindicais (mas não com as patronais).
A terceira dessas imagens é uma verdadeira imagem de síntese: a de milhares de cidadãos a ocuparem pacificamente a linha de Sintra. Neste regresso a uma ponte 25 de Abril simbólica e menos dramática, mas que consegue virar os cidadãos não só contra o Governo e a CP como contra os próprios cidadãos (os maquinistas da CP), todos contra todos, não podemos deixar de ver - numa televisão bem perto de nós, à hora do almoço e do jantar - o verdadeiro regresso da tragédia sob a forma de farsa de que falava Marx.






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