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"Lembro-me do professor Fidalgo nos bater à porta e nos chamar para as aulas"
Rafael Mangana · quarta, 9 de maio de 2018 · @@y8Xxv Ficou em estado de choque quando percebeu que tinha entrado na UBI, mas mais tarde acabou por agradecer o "acaso", que lhe deu outra perspetiva do interior e da Covilhã. Tendo começado a trabalhar em Televisão no estrangeiro, Gonçalo Madaíl fez parte das equipas fundadoras da NTV (atual RTP N) e da MTV Portugal e integra, desde 2008, a direção de programas da RTP. Ultimamente conheceu maior mediatismo por ser o Diretor Criativo do Festival da Eurovisão 2018. |
Gonçalo Madaíl |
22011 visitas Urbi et Orbi: Porquê UBI e porquê Ciências da Comunicação? Gonçalo Madaíl: A comunicação era uma escolha. Eu desde a altura do liceu que tinha como sonho vir a ser jornalista. Quanto a esse sonho, mal entrei no curso nunca mais quis ser jornalista. Entrei no curso para tirar a dúvida e ao fim de alguns meses decidi que nunca seria jornalista na vida, apesar de depois ter vindo a executar algumas funções próximas disso. O meu objetivo inicial era a Universidade Nova de Lisboa, não entrei por uma ou duas décimas e na altura vim parar à UBI. Não era, nem de perto nem de longe, o meu objetivo. Fiquei em estado de choque, reagi muito mal, tinha uma ideia de “litoralista” extremamente provinciana da Covilhã, da Beira Interior em geral, errada, e pensei em vir para a UBI fazer um semestre e pedir transferência para Lisboa. Portanto, encarei isto como uma mera passagem, porque fiquei mesmo muito desapontado por ter vindo aqui parar. Quando cá cheguei, conheci as pessoas, percebi a estrutura curricular e docente, percebi que isto era bem mais interessante do que aparentava e nunca cheguei a tentar a transferência. Decidi ficar por cá, fiz excelentes amigos e a Covilhã para mim foi uma libertação, até do ponto de vista pessoal, porque era um rapaz da classe média aveirense e achei que a cidade tinha muito pouco que fazer e isso condicionava-nos e obrigava-nos a uma inevitabilidade, que era conviver com as pessoas. Portanto, isso para mim foi de extrema importância.
U@O: O que recorda dos tempos da UBI? GM: Fiz grandes amigos aqui, partilhámos muito, nós vivíamos numa lógica conjunta, todos do mesmo curso, tínhamos uma “república” em frente à mítica “Tasquinha do Matos”. Fazíamos parte da “mobília” do Matos e convivíamos muito. Aquela casa era a “República das Bananas” e teve como tradição ser habitada por alunos de Comunicação Social e, depois, Ciências da Comunicação. Havia ali uma espécie de “escola” dentro da própria “república”. Lembro-me do professor Fidalgo, atual Reitor, nos bater à porta e nos chamar para as aulas. O ambiente era muito mais circunscrito, mas o convívio era imenso, o que me transformou muito e fez-me apaixonar por outras lides, pelo Cinema e pela Televisão, e assim nasceu uma enorme paixão por esta terra e aqui fiquei a concluir o curso. Quando eu entrei o curso ainda se chamava Comunicação Social, era uma altura de transição e fiz o curso em quatro anos e meio, em vez dos habituais cinco. A convite do professor Donizete Rodrigues e da professora Manuela Penafria ainda cá fiquei mais um ano e cheguei a fazer algumas coisas com a professora ao nível da investigação. Fiquei cá ao abrigo de um programa europeu com o professor Francisco Merino, fizemos alguns documentários, os nossos primeiros trabalhos audiovisuais sobre a realidade cultural da Beira Interior e da zona raiana. Eu preparava-me para fazer aqui um percurso, provavelmente, de docência, estava muito ligado a estas pessoas, mas outros horizontes me chamavam e eu queria conhecer o mundo e sair do país. Acabei por sair da UBI, mas ganhei aqui grandes relações, a minha mulher também é de Aveiro e licenciou-se cá em Economia. Portanto, a Covilhã e a UBI marcaram profundamente a minha vida para sempre. É uma cidade maravilhosa.
U@O: Pensa que, por precisamente estar inserida numa cidade mais pequena e haver esta familiaridade, é que a UBI se torna especial para quem por cá passa? GM: Sim. Há aqui uma certa precariedade típica do interior, que muitas vezes é uma adversidade que nos molda a alma e o espírito e a nossa autodisciplina. Porque, perante a adversidade transformamo-nos e superamo-nos. No meu caso, isso foi profundamente marcante e eu acho que isso é uma oportunidade. Eu noto que a casa onde eu vivia, as pessoas com quem eu convivia - sendo elas do meu curso -, nós vivíamos numa permanente tertúlia. Portanto, posso dizer que aquela geração fez o curso com uma considerável facilidade, porque estávamos ligados até emocionalmente ao próprio mundo da Comunicação, da Filosofia da Linguagem - porque tínhamos muitos professores dessa área –, éramos uns verdadeiros apaixonados e convivíamos com os professores fora da universidade. Jantávamos, saíamos, tínhamos relações próximas com pessoas com as quais ainda hoje tenho ligações próximas, como o atual Reitor e com outras pessoas desta Faculdade que são, muitas da minha geração, outras docentes aqui há já muito tempo. Portanto, a interioridade traduzida numa precariedade e, por vezes, numa adversidade, moldam-nos o espírito e são uma oportunidade ótima para nós nos refazermos num mundo onde aparentemente as ofertas estão ao virar da esquina - o que não é bem assim -, mas que nos deixam um certo laxismo na escolha, na decisão e no processo mental. A mim fez-me particularmente bem, foi uma espécie de “cativeiro intelectual” ter estado aqui na Covilhã durante cerca de cinco anos.
U@O: Como é que, depois, se dá a viragem para sair da UBI e da Covilhã? GM: Tinha uma relação próxima com a estrutura docente e um trabalho que estava a começar a ser desenvolvido particularmente na área do Documentário, mas apesar deste “cativeiro intelectual”, fiquei com o desejo de ir ver o mundo. Nós somos da geração pré-Erasmus e, portanto, não tínhamos tido essa oportunidade ainda e essa facilidade com que hoje se viaja pela Europa fora e decidi que queria ir ver o mundo. Candidatei-me por candidatura própria à Universidade Autónoma de Barcelona para tirar lá aquilo a que se chamava um Master em Documentário Criativo, que era uma área que me interessava, e lá fui. Estive dois anos em Barcelona e foi lá que comecei o meu primeiro emprego em Televisão, na Barcelona Televisión, para onde nós produzíamos alguns documentários. Depois vim para o Porto para fundar a equipa da NTV - que depois passou a ser a RTP N -, que coordenei e depois, eu tinha uma “tara” enorme que era fazer videoclipes e fazia disso um part-time. Graças a esse part-time e ao portfólio que tinha um dia recebi um convite para ir para Londres passar uns tempos na MTV para vir a fazer parte da equipa fundadora da MTV Portugal. Éramos inicialmente quatro pessoas, deixámos lá um escritório com 50. Fiquei sempre com uma relação relativamente próxima com a RTP, através da RTP N, com uma passagem de quatro anos no Porto. Vim, entretanto, para Lisboa para a MTV e depois a RTP decidiu convidar-me em 2008 para fazer parte, na altura, de uma equipa de remodelação da Direção de Programas. Fui para a RTP e ali estou desde então e “visto a camisola” do serviço público de media.
U@O: Foi importante sair de Portugal para o desenrolar do seu percurso profissional? GM: Absolutamente. A vivência empírica, digamos assim, vai muito para além da experiência digital que nós temos hoje de contacto com o mundo. Hoje temos uma percepção do mundo muito mais próxima, mais aberta, a deslocação, o contacto físico, a tal adversidade, eu acho que é uma experiência única. No mínimo, temos a obrigação de compreender minimamente a Europa, o continente onde vivemos. Portanto, eu acho absolutamente determinante numa carreira profissional hoje em dia ir-se para fora, para além do enriquecimento pessoal.
U@O: Como vê a evolução da UBI de 1993 para a UBI de 2018? GM: Um abismo total de evolução. Fico muito surpreendido. Na altura vivíamos nestas faculdades, nestes edifícios “clássicos” e hoje a UBI é uma verdadeira cidade comparada com a junta de freguesia que era na minha altura. Expandiu-se muito e eu fico particularmente feliz, especialmente por termos um Reitor da nossa área, que é coisa rara no nosso país. Não só sou um apoiante inato do professor António Fidalgo - que é para mim um tutor e um mentor -, como acho que, de facto, a UBI está a conseguir vencer o problema da interioridade com muita estratégia e inteligência. Isto não se move pela quantidade, move-se pela qualidade e pela estratégia e eu acho que a UBI tem dado esse passo. Está uma verdadeira cidade universitária e isso deixa-me muito orgulhoso.
U@O: Que conselhos daria a um aluno finalista da UBI para vingar na área das Ciências da Comunicação? GM: Eu diria que, muita autodisciplina, muito rigor mental, capacidade de trabalho e perseverança, porque o mundo do trabalho é obviamente difícil. Nós saímos do mundo académico com o exercício de pensar e fazer esse passo pragmático nunca é fácil.
Perfil: Nome: Gonçalo Madaíl Naturalidade: Aveiro Curso: Ciências da Comunicação Ano de entrada na UBI: 1993 Filme preferido: “Apocalypse Now” Livro preferido: “O Pêndulo de Foucault”, de Umberto Eco Hobbies: Jogar basquetebol, ver filmes, ler e viajar |
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