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Jerónimo Raposo e António
Fazendeiro
Uma vida dedicada aos
lanifícios
POR RICARDO GUEDES PEREIRA
Quando Jerónimo e António
entraram com a mesma idade, 14 anos, numa fábrica de lanifícios
para aí trabalharem pela primeira vez, mal sabiam que
iam dedicar toda a sua vida a este sector.
Foi lá que tudo o que foi mais importante se passou: conheceram
as suas mulheres, viram os filhos crescerem e ganharam o suficiente
para terem uma vida "remediada".
Ao principio, aprenderam a "arte" ao observarem os
colegas mais velhos a lidarem com as máquinas. Mais tarde,
"vestiram" a pele de mestres.
Mas tudo isto é recordado sem nenhuma ponta de nostalgia.
Hoje, Jerónimo da Silva Raposo e António Jesus
Fazendeiro, 70 e 69 anos respectivamente, gozam os felizes dias
da reforma. O NC foi encontrá-los num café da cidade
serrana e juntou-os para falarem um pouco sobre a sua experiência.
Percursos diferentes
"Abraçaram"
a vida como trabalhadores têxteis, no entanto, o seu percurso
profissional seguiu caminhos diferentes.
António Fazendeiro desempenhou a sua função,
primeiro como operador de fios e mais tarde como tintureiro,
sempre na mesma fábrica: a "Nova Penteação".
Fidelidade que apenas foi quebrada quando se reformou aos 65
anos. "Os patrões nunca ficaram a dever um tostão
a ninguém. Ao contrário de outras em que se verificavam
atrasos de dois e três meses", explica.
Pelo contrário, Jerónimo ao longo da sua vida trabalhou
em mais de dez empresas, sempre como tecelão-mecânico.
A razão para as constantes mudanças foram, sobretudo,
salariais: "A troco de cinco tostões eu mudava".
E continua: "Os patrões queriam-me bem. Eu é
que me despedia por minha auto-recriação".
Sector em expansão
Viviam-se os anos de ouro da
indústria de lanifícios no concelho da Covilhã.
Sector que florescia não apenas junto às margens
das ribeiras da Carpinteira e Degoldra, mas também nas
freguesias rurais.
Naquela época, António e Jerónimo recordam
que os patrões "travavam-se de razões"
para conseguirem atrair os melhores profissionais, numa indústria
particularmente competitiva. A oferta de melhores condições
salariais era a única forma de evitar a "debandada"
dos empregados para as firmas rivais.
Apesar da boa saúde que gozava o sector têxtil da
Covilhã, a agitação social que fez tremer
o País, antes e depois da "Revolução
dos Cravos", também aqui se fez sentir. António
e Jerónimo participaram activamente nos manifestações
dos trabalhadores que reivindicavam melhores condições
de trabalho e uma distribuição mais justa da riqueza.
Contestação que muitas vezes, tal como agora, conduziu
à convocação de greves.
António ainda se recorda da paralisação
mais prolongada em que participou. Durou um mês. Uma experiência
que se veio a revelar difícil uma vez que a sua filha
estava prestes a casar. "Andei aquele tempo sem ganhar um
tostão", lembra.
Os dois antigos empregados ainda não conseguem compreender
porque é que ano após ano vêem, à
sua volta, algumas fábricas de lanifícios a encerrar.
E, em consequência disso, centenas de trabalhadores serem
atirados para o desemprego. Talvez, dizem, o têxtil da
Covilhã não se modernizou a tempo de competir "taco-a-taco"
com as suas concorrentes estrangeiras. Talvez os empresários
não consigam suportar os elevados custos de produção.
Certezas não há. Apoiando-se na sua experiência
pessoal, os dois homens concluem que, para o bem e para o mal,
muita coisa mudou desde que com 14 anos ganhavam menos de 8 escudos
por dia.
"Doença do tecelão"
Condições de trabalho
adversas foram também uma "companhia" constante
que ambos experimentaram ao longo dos anos.
Ainda hoje, Jerónimo transporta as marcas do sacrifício
de ter lidado todos os dias com o barulho incessante das máquinas.
Sofre, como vulgarmente se designa, da "doença do
tecelão". Mal para que muito contribuiu o facto nunca
ter usado qualquer tipo de protecção: "Ouço
mal do ouvido esquerdo". Este reformado confessa que parece
escutar, de vez em quando, o matraquear das máquinas.
Ainda hoje é frequente acordar sobressaltado a meio da
noite. Marcas que o tempo não apaga.
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