Na UBI Gustavo luta para ser
igual por ser diferente
Mobilidade a quanto obrigas
POR TÂNIA PINTO
Aos 21 anos o Gustavo
ficou paraplégico num acidente de viação,
e hoje desloca-se com o auxílio de uma cadeira de rodas.
Uma vida que a partir dessa altura teve que mudar de forma radical.
Gustavo não pode ainda contar com a ajuda das diversas
instituições para poder vencer as barreiras que
se impõem à sua readaptação à
cidade da Covilhã. Se algumas coisas já foram feitas,
muito há ainda para fazer.
São 9 horas da manhã
e Gustavo, antigo jogador de Basquetebol, prepara-se para vencer
mais um dia de estudante universitário. À porta
do prédio espera-o o pai que o conduz todos os dias à
universidade e onde quer que precise de ir.
Chegados à UBI, começam os desafios. O degrau de
entrada é já o primeiro. Mais alto que os normais,
não permite ao Gustavo passá-lo sem dificuldade.
A sua estatura também não ajuda, e o risco de desequilíbrio
é grande ao fazer o chamado "cavalinho" com
a cadeira de rodas.
Hoje é dia de trabalho de campo para o segundo ano do
curso de Engenharia Civil, as aulas serão ao ar livre,
e para lá chegar a ajuda do pai já não é
chega. Vão ser precisos dois colegas para Gustavo poder
subir os sete degraus que o separam da aula.
Chegou a hora de almoço e as alternativas não são
muitas. Vai ter que percorrer quatro quilómetros para
ao snack-bar do Pólo das Ciências Sociais e Humanas,
uma vez que quer a cantina de St António, quer a da Boavista
não têm rampas para cadeiras de rodas.
O próximo destino são as aulas da tarde no novo
Pólo das Engenharias, edifício construído
à cerca de um ano, e que respeita a legislação
de 1991 que obriga os edifícios públicos a cumprirem
regras de acessibilidade. Vai ser uma aula aberta, graças
ao Gustavo. Sozinho não consegue passar do primeiro degrau,
por isso, fica no topo do anfiteatro o que impede a porta de
fechar.
Acabou o dia de aulas e o pai espera-o para cumprir o ritual,
levando-o de volta a casa. Enquanto o pai prepara o jantar, ele
vai até ao pavilhão matar saudades dos antigos
treinos, driblar a bola e fazer alguns lançamentos.
"A vida é para
se ir vivendo"
Cheio de esperança e boa
disposição, o pai do Gustavo acompanha o filho
para todo o lado. "Sem a minha ajuda o Gustavo não
poderia continuar a estudar", explica.
Mário Marques tem licença de trabalho temporária
do Hospital de Torres Novas, o que possibilita a sua estadia
na Covilhã, durante o tempo de aulas.
A vida de Mário Marques também sofreu uma grande
mudança desde o acidente do Gustavo. Deixou a sua rotina
diária e passou a ser um pai atento a todos os movimentos
de quem se encontra limitado a uma cadeira de rodas. Mas como
diz Mário a "vida é para se ir vivendo".
"Foi nos primeiros e cruciais momentos após o acidente
do Gustavo que o médico que o assistia me disse: é
preciso ter esperança e aceitar a vida como ela é.
Estas palavras nunca mais me deixaram o pensamento". E é
porque continua a acreditar que o filho se pode "realizar
de outras formas" que todos os dias acompanha o Gustavo
para que o objectivo de se licenciar em Engenharia Civil se concretize.
Zonas interditas
No centro de reabilitação
de Alcoitão, o Gustavo conquistou alguma autonomia e aprendeu
a movimentar-se na cadeira de rodas, por isso espaços
adequados não constituem problema, as dificuldades surgem
porque a maioria dos edifícios e espaços públicos
não respeitam as regras de acessibilidade.
Gustavo refere que "já se vai tendo alguma sensibilidade
e atenção para com os paraplégicos, infelizmente
ainda não é suficiente. Por exemplo, na Covilhã
raros são os edifícios que se lembram das pessoas
com deficiências motoras. E o mais grave é que
esta é uma situação que a lei contempla
desde 1991, e que diz que todos os edifícios públicos
devem respeitar as normas de acessibilidade". Isto significa
que nas entradas devem existir rampas de acesso, a largura das
portas nunca deve ser inferior a 90 cm, e muitas outras condições
que são sistematicamente desrespeitadas.
Sozinho um paraplégico não pode ir a um café,
entrar numa loja, pagar a conta telefónica. São
pequenos exemplos de uma sociedade que é para todos, "mas
para uns mais que outros".
Construir sem barreiras
Após o acidente, uma assistente
social de Alcoitão contactou a reitoria da universidade,
que de imediato tomou as providências necessárias
ao regresso do Gustavo. Actualmente o Gustavo vive na residência
dos serviços sociais da Universidade da Beira Interior
(SASUBI).
Para que isso fosse possível construiu-se uma rampa de
acesso à entrada principal, a casa de banho foi totalmente
remodelada, a porta do quarto foi alargada, ou seja a casa foi
adaptada de modo a facilitar os movimentos e a circulação
do Gustavo no seu dia a dia.
Este aluno especial foi conquistando pequenos passos que lhe
permitem frequentar a universidade. "No início não
havia local de estacionamento, mas actualmente já tenho
lugar reservado. Também posso utilizar o elevador que
me leva a andares superiores, e já posso ir ao bar, aos
serviços académicos... contudo, continua a ser-me
vedado o acesso à biblioteca, reprografia, salas de computadores,
ao trabalho de campo, e a todas as cantinas, exceptuando o snack-bar
onde habitualmente almoço".
O Gustavo tem nova ambição: ter um automóvel
ajustado à sua deficiência, e assim obter a autonomia
que neste momento lhe é assegurada pelo pai. Esta vontade
é tão forte, que se tornou o tema de conversa mais
frequente entre amigos. No entanto, esta autonomia será
sempre limitada enquanto as normas de acessibilidade não
forem respeitadas.
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